quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Crônicas de Edengror II

Por ali andara: nas carbonizadas ruas de Edengror, a ruína.
“O lamúrio do regente a luz celeste devorou, o caminho sucumbindo. Os guerreiros padeciam sob manchas de sangue de canções silenciadas…”
Por entre as ruas de uma memória e um céu sem estrelas um vento sussurrava, farfalhando as penas negras dos vigias do Epílogo, que prestavam atenção no medo que se destilava sob um amanhecer que traz luz solar há muito insignificante.
O rei chorava, toda noite, e cada lágrima escrevia uma nova página da triste história da maldição daquela uma vez dádiva; negras artes de proibição.
Aqueles que persistiram nunca mais viram a aurora, ofuscada sob asas opacas, roubando o rubro do sangue de suas lâminas banhadas.
Aqueles poucos homens choravam por Edengror, a perdida.

Crônicas de Edengror, a ruína. II

sábado, 28 de novembro de 2015

Dama

Quando a dama segurou sobre o seio
Um anfitrião de uma cidade ao céu,
Beijou os seus olhos e, conhecendo o anseio,
Mentiu para si e envolveu-se num véu.

Quando a dama viu uma cidade
Por qual peregrinos passaram
Chorou em silêncio, sentindo vontade
De saber o que almejavam.

E pôs-se, inquisitiva, erguida
Diante de um mar cristalino,
E viu-o resplandecer com a imagem refletida
De um devaneio selvagem repentino.

E o rouxinol, tranquilo, cantou
E a cidade morta adormeceu;
A dama, sob seus olhos espreitou
E sonhos falecidos homenageou.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Estival (Absente)

O último andarilho subiu em passos largos a encosta do penhasco, sentindo frio.
Quando encontrou a guardiã invernal do norte, sentiu que forças sobrenaturais começavam a intervir. A cerejeira estava branca de neve, suas doces folhas esvoaçadas por outrora. Aquele lugar havia sido pintado de branco com as frias lágrimas congeladas de um deus e a gélida, melancólica beleza da Mãe Terra em desolação era de fato uma formidável paisagem para ser a última a ser vista antes da transição.
Aproximou-se da queda; o horizonte se mostrou tímido, oculto sob um manto branco de segredo. Poderia ter sido seu último vislumbre, mas a pessoa sentada à sombra da guardiã acabou por tomar a sua atenção. A serenidade que enaltecia enquanto lia aquele pergaminho foi fria, ainda que aconchegante ao último andarilho.
– O que você vai fazer? – disse, seu rosto pálido emitindo um semblante indecifrável. A pergunta, por algum motivo, não parecia de todo dirigida a ele, portanto o andarilho nada respondeu, notando que presença daquela pessoa não era a mesma presença que uma pessoa comum poderia dizer ter.
Com uma epifania sobre si, deixou que as lágrimas enveredassem sobre sua pele, enquanto se distanciava da terra ao mesmo tempo que do céu que a coroava.
A queda foi fria, mas não do tipo de frio que congela, e aquele espírito, gélido, quieto e deslumbrante como o viajante branco que era rodopiou, dançou no ar e sorriu, o errante incapaz de discernir as distâncias entre si e ela e o que a sua presença significava para aquele ser translúcido. Não obteve certezas até mesmo quando alcançaram aquele infindável azul, o que fazia sentido para ele, na verdade.
Mas o que último andarilho não soube realmente – a questão que mais lhe fascinava e lhe escapava das mãos, era se naquele momento havia alcançado o mar ou o céu.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Crônicas de Edengror I

Por ali andara: nas carbonizadas ruas de Edengror, a ruína.
E quando a noite caía, não fechavam os olhos. O perigo espreitava e faziam questão de que suas lâminas reluzissem a luz da lua. E quando ela desvanecia sob a fúria do alvorecer, souberam que outra vitória foi conquistada em Edengror, a perdida.

Crônicas de Edengror, a ruína. I

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Antigamente

Antigamente, quando a humanidade era jovem e os mares infinitos, conheci um caminho. Era um campo florido, estendido numa ponte solitária ao céu noturno que levava a uma árvore. No céu, havia três estrelas gêmeas. Quando elas morreram, eu chorei...

Antigamente, quando a humanidade estava a amadurecer e os mares findavam em uma queda infinita, conheci um caminho. Era feito de mármore encardido, uma ponte solitária ao céu diurno que levava a uma árvore. Não havia estrelas no céu, tampouco memórias de alguma. Na árvore pendia uma única fruta. Ela fedia a podre.

Antigamente, quando a humanidade era anciã e sábia, muito já havia conquistado e os mares finitos e curtos, conheci um caminho. Era um campo florido, lindo, como nos contos de fadas me haviam descrito. Infinito por todas as direções, mas depois de muito enveredar achava-se uma árvore. Aos pés dela havia muitas e muitas cruzes, mas a última sensação que tive foi a de acolhimento. Possuía muitas frutas, mas nenhuma delas detinha gosto. Deitei-me e tentei dormir, mas não consegui.

Antigamente, quando a humanidade já havia terminado seu propósito e os mares já não mais eram, conheci um caminho. Era feito de ossos, uma ponte solitária ao céu eterno, e num cavalo de siderita por ela cavalguei. Ela levava a uma árvore. Aos pés dela havia um homem que não possuía um rosto, mas que a mim contou uma história. O conto me deu medo, mas ainda assim dormi em conforto, como quando minha mãe me fazia dormir.

Isso foi antigamente.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Ondas

As ondas vão e as ondas vêm, mas deixam memórias na costa – de ontem, de... Eu não sei quanto tempo faz e provavelmente não seria sábio refletir sobre isso. Evidenciar meu destino digno dos mais arruinados eu líricos.
Vez ou outra, acendo uma vela e canto. Canções para harmonizar os contrastes – as tristes para o que me é trazido e levo para casa, e as felizes para o que eu deixo na costa. Mas não importa o que eu venha a compor ou reproduzir, elas não são ou serão tão poderosas quanto as ondas, trazendo e levando até que nada reste a algum e outrém tudo receba. Então sou deixada à luz da vela, com perguntas a Deus se ao menos o meu brilho interno possa se comparar à ínfima labareda.
E as ondas também sabem cantar. A cada batida de maré ouço uma canção de solidão. Assim interpreto sua cantiga, pois não foram elas as que o trouxeram de volta. E, como todo dia, sou deixada à pergunta: qual será? Qual será a que virá do horizonte; seja dia, seja noite, tormenta ou calmaria, que virá junto dele e cantará comigo sobre o nosso reencontro?
Minha parte da música está completa. Cantem comigo, ondas.

domingo, 15 de novembro de 2015

O Detentor

Tremor era a resposta do corpo do detentor à excruciante carícia dos ventos gélidos, uma fútil adversidade. Sua solução para isso era elementar: segurava firme o punho da espada – o símbolo Deles – e orava em direção aos céus repugnantes e aos seres selados além deles.
O frio das terras desoladas temperava a sua angústia. O detentor viajava e carregava o seu fardo. Não acreditou e não acreditava, e se acostumara com isso. Não era capaz de aceitar o que uma voz retumbante nas câmaras do seu ser sugeria constantemente sobre os homens que vieram a se tornar seus amigos, seus parentes, e o que ainda estava por vir; com as entidades. Seus pensamentos não se ordenavam e nem fazia questão de tal luxúria.
– Aqui...
Impôs urgência sob seus passos. Os Montes de Éter estavam tão próximos, e já era como se estivesse no fim. Sobre seu espírito carregava uma ordem, sob o seus pés neve, e entremeado nesta dicotomia entre substância e existência negada pensava que era uma contradição muito acentuada estar a ser levado por uma motivação que o carregava por uma grande massa uniforme de um quase nada absoluto e opressor. 
E esta busca eventualmente obteve sucesso em si - o cadáver. Sabe-se lá quanto "tempo" havia durado. Ela estava circundada dos restos também putrefatos daqueles que em todos os sentidos da palavra "presente" estiveram em sua vida. Festejaram e juraram esperanças com gargalhadas e afetos, mas partiram com tristezas doces estampadas nos semblantes. Sequer estiveram em algum lugar ou eventualidade que houvesse honrado tudo isto. Isto apertou o coração do detentor.
Posicionaram-na sentada; dobrava-se à cintura, o dorso em direção aos céus. Um trabalho hediondo se apresentava sobre suas costas: duas largas e grotescas asas concebidas pelos membros costurados dos cadáveres mutilados ao redor. Sabem deuses o que fizeram com suas asas verdadeiras, aqueles doces conjuntos de penas brancas que traziam-nos próximos aos céus.
Não adiantava. Não havia prece, superstição, deus, qualquer coisa que o fizesse resistir. Já estava a ser pior do que pensava.
O nome do detentor ecoou em monocórdio dos cadáveres semimortos. Todos, agonizados, disseram algo a ele.
– Filho, – então a voz soou... – Vergonha é o teu agouro.
O detentor cortou a garganta de todos com um cajado rodeado de lâminas retorcidas. "Misericórdia Do Inominável". A dor de cada grito expandia o estranho oco que se instalara em si. Enfim esteve de olho a olho com ela uma última vez.
– Você havia tornado o mundo um lugar melhor.
Este último rompimento de laço foi... o suficiente, ou algo muito, muito longe de suficiência. Aquele homem com o espírito retalhado cerrou seu par inútil de janelas ao mundo, parando para sentir a peregrina corrente que antes sussurrara apenas aquele proeminente frio. Agora os sussurros já não mais pareciam dizer qualquer coisa, pois este era o fim de todas as coisas conhecidas.