– Você quer revelar o que está velado? – disse a raposa do ártico, cruzando um pessegueiro morto.
– Quero carne de rena. – respondeu o lobo, tentando discernir as coisas na luz ofuscada. Desceu o barranco. – Não esses seus presságios. – se depararam com uma nevasca insurgindo. O crepúsculo engolia o reino. Seu pelo sofria cócegas com o ir e vir de ventos desordenados, mas nada que se provasse muito incômodo.
– É uma pergunta mais complicada do que parece.
Sua alcateia não era das mais misericordiosas, um produto compreensível do inverno que nunca dá adeus. As fadas espectrais espreitavam pelo horizonte, envolvendo aquelas terras do dia depois, como de costume quietas em suas vigias solenes. Era provável que brevemente já estivesse a ser dado por morto e abandonado, e sequer ouviria, se houvessem, os uivos ululantes retumbando em seu nome, mas a auspiciosa raposinha praticava o canto dos lobos, o que já era bom o suficiente para preencher os silêncios que se encontrariam além.
– Você tem esperanças de ser reconhecido como alfa? – disse ela. – Ou sentir como se fosse um. O "um" entre "vários". Por isso você aceitou? – A Fronteira estava tão lúgubre quanto de costume, aquela planície branca que se estendia indefinidamente. Suas luzes surgiam e esvaneciam de forma aleatória pelos ares.
– Não. Não quero ser um alfa. Se eu retornar, entendo que se instalaria certa admiração por mim, mas não seria justo. Por que teria eu de comandar, um cantorzinho rotundeiro, apenas pois estaria eu retornando com segredos de uma "aventura"?
– Ser "um" engloba muito mais, mas acho que você está percebendo a maleabilidade de nossa alma... Nós temos um ao outro. Fantasias muito extravagantes não devem importar.
– Exatamente. – respondeu o lobo, com um aconchego em seu coração. – Eu aceitei por um sentimento que não consigo explicar... É como se fosse uma curiosidade. Não sei.
Uma das fadas espectrais sorriu, sentindo a proeminência daquele calor. Ela, ser alto e bípede – pele alva, translúcida e nua, e maravilhosa de sua forma, jamais permitia que seus pés tocassem o solo, como amantes separados.
– O que será que as trouxe aqui? E irão para algum outro lugar, não é? Está no destino. – disse a raposa.
– Veja-as. Elas estão sorrindo... Muita coisa pode tê-las trazido aqui, mas este é o "irão".
Muitas luzes resplandeceram em simultâneo.
terça-feira, 27 de dezembro de 2016
domingo, 18 de dezembro de 2016
Purpurina De Fada Dispersa Pelo Chão
– Você quer revelar o que está velado? – disse ela, flutuando sobre ele.
Descrença – estava cravado em seu rosto. Uma ironia inquietante. Fitando o espelho embaçado notou o seu aspecto cadavérico, suas olheiras remetentes a peles de membros sem circulação; mas se não fazia sentido? Ele tinha olhos, mas eram impotentes. Culpados. Ela parecia indiferente àquela noção, e ainda assim se disponha a sorrir. Ele sorriu de volta, notando as pequenas luzes minguantes que cobriam o seu corpo – aquela casca perniciosa.
Uma única luz estava acesa na sala de estar. Quase tropeçou numa garrafa de vodka vazia. Efêmeras insurgências de luzes provenientes de purpurina viam-se por todos os cantos. Sentou-se no sofá e cerrou os olhos, para que não se adaptassem à escuridão e vissem demais, mas foi logo tomado do fluxo ao primeiro som de asas finas batendo.
– Você não tem um momento para mim? – disse ela, suas mãos encontrando as dele, enquanto aquele homem considerava tentar expressar aquelas coisas entaladas no peito. Ela certamente estava aguardando-o se sentir pronto, observadora como era.
Ele aproximou seu corpo dela, discernindo seu rosto luminoso.
– Era tudo tão ... puro. – disse ele, clemente. Cerrou os olhos por um instante. – ... Era? Não sei.
Descrença – estava cravado em seu rosto. Uma ironia inquietante. Fitando o espelho embaçado notou o seu aspecto cadavérico, suas olheiras remetentes a peles de membros sem circulação; mas se não fazia sentido? Ele tinha olhos, mas eram impotentes. Culpados. Ela parecia indiferente àquela noção, e ainda assim se disponha a sorrir. Ele sorriu de volta, notando as pequenas luzes minguantes que cobriam o seu corpo – aquela casca perniciosa.
Uma única luz estava acesa na sala de estar. Quase tropeçou numa garrafa de vodka vazia. Efêmeras insurgências de luzes provenientes de purpurina viam-se por todos os cantos. Sentou-se no sofá e cerrou os olhos, para que não se adaptassem à escuridão e vissem demais, mas foi logo tomado do fluxo ao primeiro som de asas finas batendo.
– Você não tem um momento para mim? – disse ela, suas mãos encontrando as dele, enquanto aquele homem considerava tentar expressar aquelas coisas entaladas no peito. Ela certamente estava aguardando-o se sentir pronto, observadora como era.
Ele aproximou seu corpo dela, discernindo seu rosto luminoso.
– Era tudo tão ... puro. – disse ele, clemente. Cerrou os olhos por um instante. – ... Era? Não sei.
sábado, 26 de novembro de 2016
Dama (e Aranhas)
Quando a dama segurou em suas mãos
Uma anfitriã de uma floresta virgem,
Segurou-a ao seio, onde doçuras vãs
E deuses e demônios convivem.
E deuses e demônios convivem.
Quando a dama viu uma floresta
Da qual peregrinos sonhavam,
Ficou atônita quando descobriu a nefasta
Ruína disso que buscavam.
Ruína disso que buscavam.
E pôs-se temerosa e parada
Diante de um lago cristalino,
E viu-o resplandecer com a imagem refletida
De aranhas rastejando por seu cabelo fino.
E a floresta sem nome adormeceu,
E as aranhas, impiedosas, devoraram;
A dama sob vontade das sanguessugas cedeu
E visões de outro mundo se revelaram.
terça-feira, 9 de agosto de 2016
Coda
As nereidas se aglomeraram para uma última canção.
Fina como os juncos do Rio Astige,
Efêmera como as marés do Galeiduar,
A folha do salgueiro meridionalmente foge
Para além da minha terra beira-mar.
O rei dos homens peregrina pel'Oeste
Além da luz fosca onde finda o céu anil.
Um cenário onírico cinge a prole dos celestes
E minhas irmãs deitam sobre o leito do rio.
E os anões trabalham incansáveis,
E as fadas concedem desejos,
E as nereidas seguem correntes intermináveis
Com corações cheios de almejos.
Oh, oh sim.
A promessa vê o milionésimo ano,
Idosa como o povo que nada,
Encoberta numa arcana lona de pano
Que farfalha à brisa salgada.
E tal céu qual luz porta
Ou sua angustiante ausência,
De promessas ocas valeria
Fosse não o mar imagem absorta.
Oh, reis
Oh, deuses
Temam a teimosia da nereida
Porquanto recusem a nadar em nosso mar
Nadaremos em vosso céu para enfim lhe encontrar.
Ah, Atherion!
Ah, Atherion!
Ah, Atherion!
[...]
–––––––––––––––––––––––––––––––––
Do que vem de conhecimento mais pretérito do que a maioria das civilizações que já existiram:
Atherion, o Verdadeiro, foi um príncipe semi-deus que prometeu à deusa renegada, Ragmuir, uma cidade próspera para o arruinado povo do mar. Em resposta à descrença, Atherion fez sessenta e seis cortes em seus braços com várias lâminas diferentes, como prova de suas palavras. Seu sangue derramou no plano mortal até formar o que hoje conhecemos como Rio Astige, e Ragmuir pulou à sua foz, onde o Astige desaguava no Oceano Galeiduar. Ela sacrificou suas pernas para transmogrificar sangue em água, e deu o rio para o povo do mar. Em agradecimento, os anciões do povo pediram intervenção de Atherion para conceder-lhe fisiologia de um ser do mar, e enfim torná-la inteira novamente. Com o passar dos éons cada um daquele povo tornou-se à imagem de Ragmuir, mas a promessa é mantida segredo de todos os outros povos livres.
Fina como os juncos do Rio Astige,
Efêmera como as marés do Galeiduar,
A folha do salgueiro meridionalmente foge
Para além da minha terra beira-mar.
O rei dos homens peregrina pel'Oeste
Além da luz fosca onde finda o céu anil.
Um cenário onírico cinge a prole dos celestes
E minhas irmãs deitam sobre o leito do rio.
E os anões trabalham incansáveis,
E as fadas concedem desejos,
E as nereidas seguem correntes intermináveis
Com corações cheios de almejos.
Oh, oh sim.
A promessa vê o milionésimo ano,
Idosa como o povo que nada,
Encoberta numa arcana lona de pano
Que farfalha à brisa salgada.
E tal céu qual luz porta
Ou sua angustiante ausência,
De promessas ocas valeria
Fosse não o mar imagem absorta.
Oh, reis
Oh, deuses
Temam a teimosia da nereida
Porquanto recusem a nadar em nosso mar
Nadaremos em vosso céu para enfim lhe encontrar.
Ah, Atherion!
Ah, Atherion!
Ah, Atherion!
[...]
–––––––––––––––––––––––––––––––––
Do que vem de conhecimento mais pretérito do que a maioria das civilizações que já existiram:
Atherion, o Verdadeiro, foi um príncipe semi-deus que prometeu à deusa renegada, Ragmuir, uma cidade próspera para o arruinado povo do mar. Em resposta à descrença, Atherion fez sessenta e seis cortes em seus braços com várias lâminas diferentes, como prova de suas palavras. Seu sangue derramou no plano mortal até formar o que hoje conhecemos como Rio Astige, e Ragmuir pulou à sua foz, onde o Astige desaguava no Oceano Galeiduar. Ela sacrificou suas pernas para transmogrificar sangue em água, e deu o rio para o povo do mar. Em agradecimento, os anciões do povo pediram intervenção de Atherion para conceder-lhe fisiologia de um ser do mar, e enfim torná-la inteira novamente. Com o passar dos éons cada um daquele povo tornou-se à imagem de Ragmuir, mas a promessa é mantida segredo de todos os outros povos livres.
segunda-feira, 8 de agosto de 2016
O Outro Eu (Outra ver.)
Ando conhecendo a miséria, sorrindo para a conformidade, saindo com o cinismo, namorando a frivolosidade e fodendo a misantropia.
Homo homini lupus. Tornei-me um ser de ódio incomensurável.
Oi, oi... Pare de se dissociar de mim, senhor. A realidade são todos os pontos de vista ao mesmo tempo e nada é pleno. Leve-me e sinta os braços envolventes de Cristo. Até agora tenho odiado o senhor um pouco mais a cada dia, pintando um quadro gradativamente... Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel, num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu. Vai voando, contornando a imensa curva norte e sul, vou com ela, viajando, Havaí, Pequim ou Istambul...
Entusiasmante. Desligue essas drogas de luzes e jogue esse livro fora. Você só sabe ler histórias desse gênero? O rapaz vai ficar com a mocinha, hahaha...
Eu sei o final!
Bom, você tem mais o que fazer do que ler histórias as quais você já sabe o final.
Você insiste em sumir. É isso que encharca o meu pincel! Você é um covarde, parece um fantasma. Todos tem medo, mas você sabe que quem diz ter o feito mal não bate bem da cabeça. Detesto você. Você deveria me beijar.
O sentimento é mútuo, meu caro.
Vamos fazer um Tratado. Fique com tudo, menos a parte de beijar apóstolos como Cristo. Eu quero amar. Todo mundo tem medo de amar, mas eu... Beijos. Precisaríamos da Lança do Destino? Do definitivo Estado?
Faça o que vo...
Ele acordou.
Droga, cuide dele.
Eu? Você, por um acaso, é um político?
Não. Não. Faça o que lhe ordeno.
Vocês... Não vão vencer. Ainda alimento o lobo bom.
Mas você vai morrer, alimentando-o com a sua própria carne. Nada pessoal, é só um conselho. Só não pense em se tornar um político, se não você não vai ter apóstolos.
Beije-os. Beije-os...
Homo homini lupus. Tornei-me um ser de ódio incomensurável.
Oi, oi... Pare de se dissociar de mim, senhor. A realidade são todos os pontos de vista ao mesmo tempo e nada é pleno. Leve-me e sinta os braços envolventes de Cristo. Até agora tenho odiado o senhor um pouco mais a cada dia, pintando um quadro gradativamente... Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel, num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu. Vai voando, contornando a imensa curva norte e sul, vou com ela, viajando, Havaí, Pequim ou Istambul...
Entusiasmante. Desligue essas drogas de luzes e jogue esse livro fora. Você só sabe ler histórias desse gênero? O rapaz vai ficar com a mocinha, hahaha...
Eu sei o final!
Bom, você tem mais o que fazer do que ler histórias as quais você já sabe o final.
Você insiste em sumir. É isso que encharca o meu pincel! Você é um covarde, parece um fantasma. Todos tem medo, mas você sabe que quem diz ter o feito mal não bate bem da cabeça. Detesto você. Você deveria me beijar.
O sentimento é mútuo, meu caro.
Vamos fazer um Tratado. Fique com tudo, menos a parte de beijar apóstolos como Cristo. Eu quero amar. Todo mundo tem medo de amar, mas eu... Beijos. Precisaríamos da Lança do Destino? Do definitivo Estado?
Faça o que vo...
Ele acordou.
Droga, cuide dele.
Eu? Você, por um acaso, é um político?
Não. Não. Faça o que lhe ordeno.
Vocês... Não vão vencer. Ainda alimento o lobo bom.
Mas você vai morrer, alimentando-o com a sua própria carne. Nada pessoal, é só um conselho. Só não pense em se tornar um político, se não você não vai ter apóstolos.
Beije-os. Beije-os...
domingo, 7 de agosto de 2016
O Outro Eu
A luz de um poste oscilava além da janela escancarada. Aquilo estava a irritá-lo um bom tanto. Atenção obssessiva por detalhes era alguma forma de característica intrinsecamente pessoal, ainda que fosse fútil reduzi-lo a palavras. A matéria. Sua mente era poderosa e treinada; não necessariamente unida ao cosmos, mas manifestava-se de várias maneiras. Ele era, e como tinha orgulho do quanto aquilo pôde significar!
A abordagem de seus clientes quanto aos vislumbres do estrangeiro veio a ser inalação de ar fresco à verdade, até fatalista, de que a mente e o corpo humano, não necessariamente mantendo-os paralelos a um número indefinido de leis cósmicas, eram filtros defeituosos em que os contatos difusos e não concretos que tínhamos com o que é de fora em grande maioria procederam loucura coletiva e eras de trevas em escalas variadas, e esta sabedoria era uma arma potencialmente muito perigosa. Um poder. Ainda assim, Ele não tinha complexo messiânico, ou interesse em capitalizar sobre tais elementos. Até certo ponto identificava-se altruísmo, logo sendo ofuscado por interesses hedonistas, que estavam entretanto entrelaçados com a sua disposição em participar da pavimentação do futuro. Expirou fumos de cigarro, preocuparo com a juventude dos humanos.
sábado, 30 de julho de 2016
Dama (Inglês)
When the maiden took in her hands
When the maiden grasped a town,
In which pilgrims had wandered through,
She cried in silence, wondering by her own
What had they possibly hoped for.
And did she rose, curious,
Over a crystalline sea,
Embedded with the dubious
Portrayal of wild reverie.
A host from a skyward town,
She held it close, reminded of her lands
And lied to herself, donning her gown.
She held it close, reminded of her lands
And lied to herself, donning her gown.
When the maiden grasped a town,
In which pilgrims had wandered through,
She cried in silence, wondering by her own
What had they possibly hoped for.
And did she rose, curious,
Over a crystalline sea,
Embedded with the dubious
Portrayal of wild reverie.
And the city fell into slumber
And the nightingale sung.
The maiden by her eyes went under
Where her dreams were hung.
And the nightingale sung.
The maiden by her eyes went under
Where her dreams were hung.
segunda-feira, 13 de junho de 2016
Portões do Infinito
Elísio permanecia quieto, deixando que a brisa lhe farfalhasse os longos cabelos morenos enquanto a galé cruzava a foz do Rio Galeion, além da grande Cedonia.
– Isso não é o fim. – Agnós apoiava-se à amurada, murmurando promessas quietas. Doía em Elísio ouvir aquilo, mas um resquício de honra ainda lhe fazia seguir em frente.
Naquele inferno não havia sol. O céu era corrupto e a luz esmaecida. Homens esforçavam-se para enxergar há gerações, ainda assim a visão daquele povo aparentava finalmente ceder.
– Este sonho. – Elísio aproximou-se de Agnós, envolvendo-a em seus braços. Suspirou. – É meu, não é?
– Você tem de lutar por ele. – sussurrou ela, seus olhos envolvendo-o por completo, piscinas profundas de éter e amor. Nelas mergulhou profundamente, distante de uma luz que lhe errava… Um artefato amorfo de milagre e tragédia, úmido como o crepúsculo marinho – memória.
Os portões de pedra erguiam-se por quilômetros de altura sobre o oceano, onde estátuas gêmeas de anjos trombeteiros assomavam cada porta.
– Chegou a hora. – disse Elísio, sobre o convés, observando atônito a lenta abertura dos portões em resposta à aproximação da galé.
E então cruzaram-nos, partindo em direção ao fim da história humana.
domingo, 17 de janeiro de 2016
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