sábado, 25 de fevereiro de 2017

O Cisne e a Pomba

Ainda assim, você permanece.
Dei a estas águas cristalinas um reflexo penas e poeira estelar. Canto e nado nelas agora. Não sou capaz de saber se o lago resplandece reflexos do meu coração, mas você, por algum motivo, vê algo mágico em tudo isso.
Mas diga-me então... Toda essa afeição por mim vem do meu pescoço, não é? É longo. Acho que você gosta de ter bastante espaço para beijos. Agradeço-a por eles, aliás.


Luz santificada do final deste túnel, oscilando tão próxima do meu olho, mostre-me quem sou mais uma vez,
Além dos rios que subi e desci.

Ainda assim, você permanece.
Você peregrina por um azul, eu por um outro. Poemas perdem-se na pressão das profundezas do mar e na infinidade negra do além das nuvens. Os céus e os mares unem-se enfim e, ao contrário do que esperava, sem demolirem-se.
Deus cessa sua peregrinação imemorial.


Voz santificada do final desde túnel, oscilando tão próxima do meu coração, diga meu nome mais uma vez.

Aquele que reverberou nas estrelas;
E tais corações que tremeram de significado
Enquanto eu era guiado pelo vento.

– Você...? – disse, tornando o pescoço.

– Ainda assim, permaneço.
– Além do rio que foi nosso por algum tempo o patrono dos santificados céus esteve lá, e para a minha surpresa beijando e acalentando a patroa da terra. Eu poderia ter errado; levada pelo vento. Mas há certas coisas feéricas que hão de ser associadas por corações que emanam uma única luz. Você não concorda?

Claro, a pomba já sabia a resposta. E lá estava a fada, sentada à beira da cabana ribeirinha. A senhora recebeu-os com música.

Sonho torna-se poesia, e a realidade torna-se um verso.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

Árvores da Gestação Maldita

             O ídolo talhado de olmo foi posicionado sobre um tronco morto pelas santas mães. Deram ao errante olhares solenes, distanciando-se cada uma com passos furtivos e cabeças baixas.
Eventualmente entregaram-lhe uma manta parecida com a que cada ídolo trajava. Gralhas empoleiravam-se nos pilares, mas seus crocitares estavam ausentes. A lua assomava o centro de festividades como um dos infindáveis olhos do Mensageiro de Além das Estrelas. Os anões fizeram o seu serviço, e abandonando o perímetro deixaram o errante a sós com Ela.

             Vossa Graça veio dos nervos e dos tendões da Prostituta. As árvores ao redor fenderam-se num ruído ensurdecedor que parecia jamais findar, sangrando sangue humano enchendo a Praça numa inundação escarlate, que buscava Ela com qualquer volição maldita. Aquele ser da floresta estava buscando constituir uma forma que lembrava o errante de coisas jamais conquistadas na velha, porém efêmera peregrinação do homem, o que atribuiu genuinidade à fundação de todos os presságios.

             E Ela deu-lhe permissão.

             – Heyu karie tol man hu juläa he.

             Enquanto o errante procedera a segurar sua cintura, Ela destruiu a coerência de sua forma para adentrar violentamente nas lacerações que as santas mães haviam lhe feito no ritual de antecipação. Ele, tolo, sentia os seus órgãos e ossos sendo atravessados de forma contínua, o que doía horrivelmente.

              – Sine koriu... Sine koriu... Mãe, mãe, venha até mim. O leite está azedo... a carne está apodrecida... Sine koriu... – Este cântico das santas mães e dos anões não lhe era familiar.
O errante ajoelhou-se, ofegante. Além dos sussurros e dos cânticos nefastamente manifestados tudo ainda era pleno. "Sie kahyari! Sie kahyari!"

                – Vossa Graça...

                – Não. – disse ela. – Você pensa o contrário, mas não tenho a força para ouvir o que você tem a dizer, observador de seus genitores; os troncos centenários e a massa de terra que os sustentam. Vamos logo terminar, pois assim deves obedecer à tua eternidade.

                Vossa Graça deixou o corpo do errante, assomando o altar onde estava disposto o cadáver da Prostituta, deixando que a luz lunar atravessasse-a. O rio de sangue ao redor jorrou vigorosamente em direção a ela cuja forma constituía-se mais verdadeiramente. Dentre o líquido surgiam pedaços de carne.

                – Sine he liea.

                – É verdade que... – murmurou o errante.

                – Sim, é verdade. Sie yime nokilu Szaracwa.

                Ela tornou o rosto aos céus, seus olhos arregalados. Em sua forma completa, o errante havia notado um perceptível volume em seu ventre. Oh, não...

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Hino das Oscilações

A instabilidade mais aterrorizante é aquela que casa com a estabilidade. Particularmente.



Adversidade curiosa: soou um agouro previsível, mas em molde e capricho de canção. 
Fitando uma límpida infinidade de marés, pensa-se nos tantos romances a tantas coisas que possam se manifestar e fazer sentido. O nojo por aquela canção, em contraste, só era realçado. Fossa de merda. Fui educado, entretanto.
"O que você tem para mim hoje?"

Então.
Bem vindo, velho amigo, velho inimigo,
A luz fosca refratada no mar finito;
Velho inimigo, novo amigo,
Velha canção, velho mito.

O que tens para mim?
O que tens para mim?
Nada a ti ofereço.
Conquanto aqui estás, com um bom preço,
Mas sua luz não resplandece tanto assim;
Como um caçador violando animais por marfim.
Como um sem esperança contempla o fim.

Novo inimigo, velho amigo,
Tenho um plano esquisito.
Na beira do Rio, com qualquer instrumento,
Lá se roga um canto maldito.
E, sim, será malandragem.
Que apenas as águas ocas ouçam o choramingo.
Não ofereça passagem. Não ofereça viagem.
Sei o quanto tu desmedes tua dosagem.

Velho amigo, velho inimigo,
Novo inimigo, novo amigo,
Velho hóspede, novo rosto,
Desmembrado, desmantelado,
Guerreiro. Assassino.
Seja visto como tu és.
Como tu serás.
Como tu sempre serás.

Sempre estarei aqui.
Contudo, eu estarei aqui.