terça-feira, 9 de agosto de 2016

Coda

As nereidas se aglomeraram para uma última canção.

Fina como os juncos do Rio Astige,
Efêmera como as marés do Galeiduar,
A folha do salgueiro meridionalmente foge
Para além da minha terra beira-mar.

O rei dos homens peregrina pel'Oeste

Além da luz fosca onde finda o céu anil.
Um cenário onírico cinge a prole dos celestes
E minhas irmãs deitam sobre o leito do rio.

E os anões trabalham incansáveis,
E as fadas concedem desejos,
E as nereidas seguem correntes intermináveis
Com corações cheios de almejos.

Oh, oh sim.

A promessa vê o milionésimo ano,
Idosa como o povo que nada,
Encoberta numa arcana lona de pano
Que farfalha à brisa salgada.

E tal céu qual luz porta
Ou sua angustiante ausência,
De promessas ocas valeria
Fosse não o mar imagem absorta.

Oh, reis
Oh, deuses
Temam a teimosia da nereida
Porquanto recusem a nadar em nosso mar
Nadaremos em vosso céu para enfim lhe encontrar.

Ah, Atherion!
Ah, Atherion!
Ah, Atherion!

[...]

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Do que vem de conhecimento mais pretérito do que a maioria das civilizações que já existiram:

Atherion, o Verdadeiro, foi um príncipe semi-deus que prometeu à deusa renegada, Ragmuir, uma cidade próspera para o arruinado povo do mar. Em resposta à descrença, Atherion fez sessenta e seis cortes em seus braços com várias lâminas diferentes, como prova de suas palavras. Seu sangue derramou no plano mortal até formar o que hoje conhecemos como Rio Astige, e Ragmuir pulou à sua foz, onde o Astige desaguava no Oceano Galeiduar. Ela sacrificou suas pernas para transmogrificar sangue em água, e deu o rio para o povo do mar. Em agradecimento, os anciões do povo pediram intervenção de Atherion para conceder-lhe fisiologia de um ser do mar, e enfim torná-la inteira novamente. Com o passar dos éons cada um daquele povo tornou-se à imagem de Ragmuir, mas a promessa é mantida segredo de todos os outros povos livres.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

O Outro Eu (Outra ver.)

Ando conhecendo a miséria, sorrindo para a conformidade, saindo com o cinismo, namorando a frivolosidade e fodendo a misantropia.
Homo homini lupus. Tornei-me um ser de ódio incomensurável.

Oi, oi... Pare de se dissociar de mim, senhor. A realidade são todos os pontos de vista ao mesmo tempo e nada é pleno. Leve-me e sinta os braços envolventes de Cristo. Até agora tenho odiado o senhor um pouco mais a cada dia, pintando um quadro gradativamente... Se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel, num instante imagino uma linda gaivota a voar no céu. Vai voando, contornando a imensa curva norte e sul, vou com ela, viajando, Havaí, Pequim ou Istambul...
Entusiasmante. Desligue essas drogas de luzes e jogue esse livro fora. Você só sabe ler histórias desse gênero? O rapaz vai ficar com a mocinha, hahaha...
Eu sei o final!
Bom, você tem mais o que fazer do que ler histórias as quais você já sabe o final.
Você insiste em sumir. É isso que encharca o meu pincel! Você é um covarde, parece um fantasma. Todos tem medo, mas você sabe que quem diz ter o feito mal não bate bem da cabeça. Detesto você. Você deveria me beijar. 
O sentimento é mútuo, meu caro. 
Vamos fazer um Tratado. Fique com tudo, menos a parte de beijar apóstolos como Cristo. Eu quero amar. Todo mundo tem medo de amar, mas eu... Beijos. Precisaríamos da Lança do Destino? Do definitivo Estado?
Faça o que vo...
Ele acordou.
Droga, cuide dele.
Eu? Você, por um acaso, é um político?
Não. Não. Faça o que lhe ordeno.
Vocês... Não vão vencer. Ainda alimento o lobo bom.
Mas você vai morrer, alimentando-o com a sua própria carne. Nada pessoal, é só um conselho. Só não pense em se tornar um político, se não você não vai ter apóstolos.
Beije-os. Beije-os...

domingo, 7 de agosto de 2016

O Outro Eu

A luz de um poste oscilava além da janela escancarada. Aquilo estava a irritá-lo um bom tanto. Atenção obssessiva por detalhes era alguma forma de característica intrinsecamente pessoal, ainda que fosse fútil reduzi-lo a palavras. A matéria. Sua mente era poderosa e treinada; não necessariamente unida ao cosmos, mas manifestava-se de várias maneiras. Ele era, e como tinha orgulho do quanto aquilo pôde significar!
A abordagem de seus clientes quanto aos vislumbres do estrangeiro veio a ser inalação de ar fresco à verdade, até fatalista, de que a mente e o corpo humano, não necessariamente mantendo-os paralelos a um número indefinido de leis cósmicas, eram filtros defeituosos em que os contatos difusos e não concretos que tínhamos com o que é de fora em grande maioria procederam loucura coletiva e eras de trevas em escalas variadas, e esta sabedoria era uma arma potencialmente muito perigosa. Um poder. Ainda assim, Ele não tinha complexo messiânico, ou interesse em capitalizar sobre tais elementos. Até certo ponto identificava-se altruísmo, logo sendo ofuscado por interesses hedonistas, que estavam entretanto entrelaçados com a sua disposição em participar da pavimentação do futuro. Expirou fumos de cigarro, preocuparo com a juventude dos humanos.