terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Além do Véu Translúcido

– Você quer revelar o que está velado? – disse a raposa do ártico, cruzando um pessegueiro morto.
– Quero carne de rena. – respondeu o lobo, tentando discernir as coisas na luz ofuscada. Desceu o barranco. – Não esses seus presságios. – se depararam com uma nevasca insurgindo. O crepúsculo engolia o reino. Seu pelo sofria cócegas com o ir e vir de ventos desordenados, mas nada que se provasse muito incômodo.
– É uma pergunta mais complicada do que parece.
Sua alcateia não era das mais misericordiosas, um produto compreensível do inverno que nunca dá adeus. As fadas espectrais espreitavam pelo horizonte, envolvendo aquelas terras do dia depois, como de costume quietas em suas vigias solenes. Era provável que brevemente já estivesse a ser dado por morto e abandonado, e sequer ouviria, se houvessem, os uivos ululantes retumbando em seu nome, mas a auspiciosa raposinha praticava o canto dos lobos, o que já era bom o suficiente para preencher os silêncios que se encontrariam além.
– Você tem esperanças de ser reconhecido como alfa? – disse ela. – Ou sentir como se fosse um. O "um" entre "vários". Por isso você aceitou? – A Fronteira estava tão lúgubre quanto de costume, aquela planície branca que se estendia indefinidamente. Suas luzes surgiam e esvaneciam de forma aleatória pelos ares.
– Não. Não quero ser um alfa. Se eu retornar, entendo que se instalaria certa admiração por mim, mas não seria justo. Por que teria eu de comandar, um cantorzinho rotundeiro, apenas pois estaria eu retornando com segredos de uma "aventura"?
– Ser "um" engloba muito mais, mas acho que você está percebendo a maleabilidade de nossa alma... Nós temos um ao outro. Fantasias muito extravagantes não devem importar.
– Exatamente. – respondeu o lobo, com um aconchego em seu coração. – Eu aceitei por um sentimento que não consigo explicar... É como se fosse uma curiosidade. Não sei.
Uma das fadas espectrais sorriu, sentindo a proeminência daquele calor. Ela, ser alto e bípede – pele alva, translúcida e nua, e maravilhosa de sua forma, jamais permitia que seus pés tocassem o solo, como amantes separados.
– O que será que as trouxe aqui? E irão para algum outro lugar, não é? Está no destino. – disse a raposa.
– Veja-as. Elas estão sorrindo... Muita coisa pode tê-las trazido aqui, mas este é o "irão". 
Muitas luzes resplandeceram em simultâneo.

domingo, 18 de dezembro de 2016

Purpurina De Fada Dispersa Pelo Chão

– Você quer revelar o que está velado? – disse ela, flutuando sobre ele.
Descrença – estava cravado em seu rosto. Uma ironia inquietante. Fitando o espelho embaçado notou o seu aspecto cadavérico, suas olheiras remetentes a peles de membros sem circulação; mas se não fazia sentido? Ele tinha olhos, mas eram impotentes. Culpados. Ela parecia indiferente àquela noção, e ainda assim se disponha a sorrir. Ele sorriu de volta, notando as pequenas luzes minguantes que cobriam o seu corpo aquela casca perniciosa.
Uma única luz estava acesa na sala de estar. Quase tropeçou numa garrafa de vodka vazia. Efêmeras insurgências de luzes provenientes de purpurina viam-se por todos os cantos. Sentou-se no sofá e cerrou os olhos, para que não se adaptassem à escuridão e vissem demais, mas foi logo tomado do fluxo ao primeiro som de asas finas batendo.
– Você não tem um momento para mim? – disse ela, suas mãos encontrando as dele, enquanto aquele homem considerava tentar expressar aquelas coisas entaladas no peito. Ela certamente estava aguardando-o se sentir pronto, observadora como era.
Ele aproximou seu corpo dela, discernindo seu rosto luminoso.
– Era tudo tão ... puro. – disse ele, clemente. Cerrou os olhos por um instante. – ... Era? Não sei.